Neste, 13 de maio, data da Lei Áurea, legislação que
marca do fim da escravidão dos negros no Brasil, a Secretaria de Equidade da
FEMERGS reuniu informações para a reflexão sobre o tema da escravidão, como
teve início em nosso país, e que continua, nos dias de hoje, permeada, sempre,
pela realidade das desigualdades sociais e da lógica do poder econômico acima
dos direitos humanos.
Escravidão
dos negros no Brasil
Em uma breve reflexão sobre o período da escravidão dos negros no Brasil, que
começou com a colonização do país, pelos portugueses, e permaneceu por mais de
300 anos, percebemos que a motivação da prática desumana de exploração do
trabalho era econômica e continua nos dias de hoje.
No início da colonização, não existia mão-de-obra para a realização de
trabalhos manuais. Diante disso, eles procuraram usar o trabalho dos índios nas
lavouras; entretanto, esta escravidão não pôde ser levada adiante, pois os
religiosos se colocaram em defesa dos índios, condenando sua escravidão. Assim,
os portugueses passaram a fazer o mesmo que os demais europeus daquela época.
Eles foram à busca de negros, na África, para submetê-los ao trabalho escravo
em sua colônia. Deu-se, assim, a entrada dos escravos no Brasil.
A economia do país contava somente com o trabalho escravo para realizar as
tarefas da roça e outras tão pesadas quanto estas. As providências para a
libertação dos escravos deveriam ser tomadas lentamente.
A partir de 1870, a região Sul do Brasil passou a empregar assalariados
brasileiros e imigrantes estrangeiros; no Norte, as usinas substituíram os
primitivos engenhos, fato que permitiu a utilização de um número menor de
escravos. Já nas principais cidades, era grande o desejo do surgimento de
indústrias. Visando não causar prejuízo aos proprietários, o governo,
pressionado pela Inglaterra, foi alcançando seus objetivos aos poucos. O
primeiro passo foi dado em 1850, com a extinção do tráfico negreiro. Vinte anos
mais tarde, foi declarada a Lei do Ventre-Livre (de 28 de setembro de 1871).
Esta lei tornava livre os filhos de escravos que nascessem a partir de sua
promulgação.
Em 1885, foi aprovada a lei Saraiva-Cotegipe ou dos Sexagenários, que
beneficiava os negros com mais de 65 anos. Foi em 13 de maio de 1888, através
da Lei Áurea, que a liberdade total finalmente foi alcançada pelos negros no
Brasil. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no
Brasil.
A
vida dos negros brasileiros após a abolição
Após a abolição, a vida dos negros brasileiros continuou muito difícil. O
estado brasileiro não se preocupou em oferecer condições para que os
ex-escravos pudessem ser integrados no mercado de trabalho formal e
assalariado. Muitos setores da elite brasileira continuaram com o preconceito.
Prova disso, foi a preferência pela mão-de-obra europeia, que aumentou muito no
Brasil após a abolição. Portanto, a maioria dos negros encontrou grandes
dificuldades para conseguir empregos e manter uma vida com o mínimo de
condições necessárias (moradia e educação principalmente).
A
escravidão contemporânea
A escravidão contemporânea é diferente daquela que existia até o final do
século 19, quando o Estado garantia que comprar, vender e usar gente era uma
atividade legal. Mas é tão perversa quanto, por roubar do ser humano sua
liberdade e dignidade. E ela não se resume à terra de ninguém, que é a região
de expansão agrícola amazônica, mas está presente nas carvoarias do cerrado,
nos laranjais e canaviais do interior paulista, em fazendas de frutas e algodão
do Nordeste, nas pequenas tecelagens do Brás e Bom Retiro, da cidade de São
Paulo.
A nova escravidão é mais vantajosa para os empresários que a da época do
Brasil-Colônia e do Império, pelo menos do ponto de vista financeiro e
operacional. Antigamente, a propriedade legal era permitida, hoje não. Mas era
muito mais caro comprar e manter um escravo do que hoje. O negro africano era
um investimento dispendioso que poucas pessoas podiam ter. Hoje, o custo é
quase zero - paga-se apenas o transporte e, no máximo, a dívida que o sujeito
tinha em algum comércio ou hotel. Além do fato de que, se o trabalhador fica
doente, é só largá-lo na estrada mais próxima e aliciar outra pessoa. O
desemprego é gigantesco no país, e a mão-de-obra, farta.
O Brasil contabiliza 46.478 trabalhadores libertados em condições análogas à de
escravos desde 1995, ano em que os grupos móveis de fiscalização passaram a
atuar no país. O trabalho das equipes, compostas de auditores fiscais,
procuradores do Trabalho e policiais federais ou rodoviários federais, completa
20 anos em 2014.
Só no ano passado, quando foram comemorados os 125 anos da Lei Áurea, 2.063
pessoas foram resgatadas, de acordo com números do Ministério do Trabalho e
Emprego, o que representa uma média de mais de cinco pessoas por dia. O número
de operações em 2013 foi recorde: 177.
Na escravidão contemporânea, não faz diferença se a pessoa é negra, amarela ou
branca. Os escravos são miseráveis, independentemente de raça. Porém, tanto na
escravidão imperial quanto na do Brasil de hoje, mantém-se a ordem por meio de
ameaças, terror psicológico, coerção física, punições e assassinatos. Ossadas
têm sido encontradas em propriedades durante ações de fiscalização, como na
fazenda de Gilberto Andrade, família influente da região Sul do Pará.
Não há estatística exata para o número de trabalhadores em situação de
escravidão no país. Estima-se que sejam entre 25 mil e 40 mil, de acordo com
número da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – órgão, ligado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, e a mais importante entidade não-governamental que
atua nessa área – e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A forma de trabalho forçado mais encontrada no país é a da servidão, ou
“peonagem”, por dívida. Nela, a pessoa empenha sua própria capacidade de
trabalho ou a de pessoas sob sua responsabilidade (esposa, filhos, pais) para
saldar uma conta. E isso acontece sem que o valor do serviço executado seja
aplicado no abatimento da conta de forma razoável ou que a duração e a natureza
do serviço estejam claramente definidas.
As primeiras denúncias de formas contemporâneas de escravidão no Brasil foram
feitas em 1971 por dom Pedro Casaldáliga, na Amazônia. Sete anos depois, a CPT
denunciou a fazenda Vale do Rio Cristalino, pertencente à montadora de veículos
Volkswagen e localizada no sul do Pará. O depoimento dos peões que conseguiram
fugir a pé da propriedade deu visibilidade internacional ao problema.
Outro exemplo de envolvimento de grandes empresas é o das fazendas reunidas
Taina Recan, em Santa do Araguaia, e Alto Rio Capim, em Paragominas, ambas no
Pará, pertencentes ao grupo Bradesco, onde, entre as décadas de 70 e 80, foram
encontrados trabalhadores reduzidos à condição de escravidão. O governo acaba
envolvido indiretamente com o trabalho forçado quando financia empresas que se
utilizam da prática.
Apesar de as convenções internacionais de 1926 e a de 1956, que proibiam a
servidão por dívida, entrarem em vigor no Brasil em janeiro de 1966, o país
demorou para criar um mecanismo para combatê-la. O que veio a acontecer apenas
em 1995, quando foram instituídos os grupos móveis de fiscalização.
O Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, lançado no início de
2003, reúne 76 medidas de combate à prática. Entre elas, projetos de lei como o
que expropria terras em que for encontrado trabalho escravo e transfere para a
esfera federal os crimes contra os direitos humanos, limitando assim as
influências locais nos processos. A implantação do plano tem sido lenta e
muitas vezes esbarra na falta de verbas, pressão da bancada ruralista e na
incapacidade do governo federal de liberar recursos para aumentar e aparelhar a
fiscalização.
Mudanças na legislação tornaram mais duras as penas para quem for pego com
trabalho escravo. Mas, mesmo com fiscalização, multas, prisão dos envolvidos,
cortes em linhas de crédito não se consegue atacar as consequências, deixando
muitas vezes a causa em aberto. O trabalhador resgatado não vê opções para a
sobrevivência e acaba caindo de novo na armadilha. “Com terra para plantar não
teria ido embora [da minha terra]. Além disso, pessoa bem estudada não precisa
sair, arruma emprego. Os outros têm de ir para o machado mesmo”, afirma um
trabalhador libertado. Escravidão no Brasil é sintoma de algo maior:
desigualdade.
Ranking
do trabalho escravo
O estado de Minas Gerais lidera o ranking tanto de libertações como de
trabalhadores aliciados, com o registro de 2 mil pessoas resgatadas nos últimos
cinco anos. Logo atrás está o Pará, com 1.808. Goiás, com 1.315, São Paulo, com
916, e Tocantins, com 913, compõem o grupo dos cinco mais.
Minas também é o principal estado de origem dos trabalhadores libertados. De
acordo com o levantamento do Ministério do Trabalho, 1.643 trabalhadores foram
aliciados pelos chamados “gatos” (os intermediadores da mão-de-obra) no estado
do Sudeste. O Maranhão aparece logo atrás, como terra natal de 1.641 pessoas
resgatadas. Pará, com 1.395, Bahia, com 1.325, e Goiás, com 775, são os outros
estados onde mais trabalhadores são arregimentados.
PEC
do trabalho escravo
A proposta de emenda à Constituição altera o artigo 243, determinando que as
propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde for flagrada a
exploração de trabalho escravo sejam expropriadas e destinadas à reforma
agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Além disso,
prevê que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência
dessa exploração seja confiscado e revertido a fundo especial.
Lista
suja
Outro importante instrumento de combate ao trabalho escravo completa 10 anos: a
chamada “lista suja”. O cadastro de empregadores flagrados submetendo
trabalhadores a condições análogas à de escravos é considerado uma das
principais ferramentas para coibir a prática hoje no país. Quando um nome é
incluído nele, instituições suspendem financiamentos e o acesso a crédito.
Empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
também aplicam bloqueios e restrições comerciais.
Trabalho
escravo infantil
O trabalho infantil no Brasil ainda é um grande problema social. Milhares de
crianças ainda deixam de ir à escola e ter seus direitos preservados, e
trabalham desde a mais tenra idade na lavoura, campo, fábrica ou casas de
família, em regime de exploração, quase de escravidão, já que muitos deles não
chegam a receber remuneração alguma. Em torno de 4,8 milhões de crianças de
adolescentes entre 5 e 17 anos estão trabalhando no Brasil, segundo PNAD 2007.
Desse total, 1,2 milhão estão na faixa entre 5 e 13 anos.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE, sobre o panorama
brasileiro, informam que o trabalho infantil doméstico, exercido na casa de
terceiros, atingia 258 mil brasileiros de 10 a 17 anos, em 2011. 94% das
crianças e adolescentes no trabalho doméstico são do sexo feminino.
As falhas nas políticas de educação no campo e em zonas florestais atingem
principalmente a população indígena, ribeirinha e extrativista. Na área urbana,
crianças e adolescentes em situação de miséria e baixa renda vendem doce no
farol, atuam no tráfico de drogas ou trabalham em lixões, por exemplo.
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